sexta-feira, 29 de maio de 2015

O Desacordo Ortográfico

A obrigatoriedade de utilizar as novas regras relativas ao acordo ortográfico foi publicitada no passado dia 13, do presente mês, nos meios de comunicação social. Portanto, para além da sua utilização já obrigatória na administração pública, todos os portugueses a deverão adotar no seu dia-a-dia, nas suas comunicações escritas correntes do quotidiano
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A intenção de estabelecer uma grafia comum, uma ortografia unificada, válida para todos os países de língua oficial portuguesa preside, desde sempre, aos sucessivos ensaios e esforços tendentes ao estabelecimento de um Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que vigore em todos os países de Língua oficial portuguesa, não só nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), mas em todos os países que constituem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa CPLP). Por outro lado, trata-se também de acordar uma escrita mais simples, uma norma ortográfica simplificada, mais próxima da fonética e, portanto, mais próxima da pronúncia e do português falado.

Escreve um site brasileiro de informação escolar (www.info.escola.com) que o acordo ortográfico “visa simplificar as regras ortográficas da Língua Portuguesa e aumentar o prestígio social da língua no cenário internacional”. Posso assumir que o povo brasileiro concorda com esta afirmação, mas desconfio que o povo português não corrobora totalmente esta ideia. Até porque foi à nossa grafia que foram retiradas as maiores singularidades, tendo havido maior alteração nas palavras com grafia de Portugal do que com grafia do Brasil. O novo VOP – Vocabulário Ortográfico do Português tem maior influência do país do Samba do que do país do Fado.

Enquanto escrevi este texto, foi recorrente a utilização do corretor ortográfico do Microsoft office – Word. Por aqui ainda se vive em desacordo com o acordo. Resistência à mudança dirão alguns, manutenção da tradição dirão outros, gosto pelo genuíno, direi eu.
Para que saibam, no local onde nasci ainda se tratam os mais velhos por “vossemecê”, que remete para o “vossa mercê” de tempos idos. Mas o mais curioso é que também os Brasileiros ainda utilizam um vocábulo similar, que pelo acordo ortográfico também terá de desaparecer, o “vosmecê”. Ficará apenas o “você” como palavra do novo VOP.

Na minha opinião pessoal, são estas as diferenças que trazem riqueza a uma língua, e no caso da língua portuguesa, património nacional de alguns países espalhados por todos os continentes, mais ainda. Como refere o Instituto Camões, a língua portuguesa é uma língua de cultura, portadora de longa história, testemunha de fortes tradições, e também instrumento de afirmação mundial de diversas sociedades, que não se esgota na descrição do seu sistema linguístico.

É no domínio da história, da cultura, e em última instância, da política, com as suas variações próprias dos tempos, das gerações, das vivências, que se erguem os pilares que consubstanciam a língua portuguesa, que efetivamente lhe oferecem a essência e a colocam num nível mais elevado do que o “mero estatuto de repositório de variantes”, como refere o mesmo Instituto.´

Como, sabiamente, escreveu Fernando Pessoa “Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa” (Bernardo Soares, Livro do Desassossego). Refere a Casa Fernando Pessoa, que este sabia que cada língua tem a sua cor, a sua luz e a sua música própria, com ritmo diferenciado e único e que a arte da escrita consiste em levar para lá dos limites convencionais os dons expressivos de cada língua. Saberemos, nós, também isto?

A condição sine qua non desta reflexão assenta na constatação, apresentada pelo Instituto de Camões e subscrita por mim própria, de que o Português é a língua que os portugueses, os brasileiros, muitos africanos e alguns asiáticos aprendem no berço, reconhecem como património nacional e utilizam como ferramenta de comunicação, quer dentro da sua comunidade, quer no relacionamento com as outras comunidades Luso falantes. É uma língua viva do mundo, com mais de 230 milhões de falantes, a quinta mais falada no mundo inteiro, a terceira mais falada no mundo ocidental, língua oficial da Comunidade Europeia (CE), entre outras, que apresentava e usava mais que uma ortografia oficial, uma no Brasil e outra em Portugal. Esse fator diferenciador, é na minha opinião enriquecedor e não fraturante de um património valiosíssimo que nos identifica e nos faz pertença de um povo, de uma nação, de uma crença.

Apesar de não acreditar que o acordo ortográfico veio “matar” a Língua portuguesa, pois considero essa terminologia demasiado radical e descontextualizada, defendo que nos meandros destas convenções se perde algum brilho, alguma identidade, alguma essência. Não obstante, deixo aqui uma citação que fui encontrando em alguns blogues que defendiam acerrimamente a não adesão de Portugal ao acordo ortográfico e que servirá como ponto de reflexão:

"O maior dos crimes é matar a língua de uma Nação com tudo aquilo que ela encerra de esperança e de génio”. Charles Nodier (1780 - 1844)



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