A obrigatoriedade de utilizar as
novas regras relativas ao acordo ortográfico foi publicitada no passado dia 13, do presente mês, nos meios de comunicação social. Portanto, para além da sua
utilização já obrigatória na administração pública,
todos os portugueses a deverão adotar no seu dia-a-dia, nas suas comunicações
escritas correntes do quotidiano
.
A intenção de estabelecer uma
grafia comum, uma ortografia unificada, válida para todos os países de língua oficial
portuguesa preside, desde sempre, aos sucessivos ensaios e esforços tendentes
ao estabelecimento de um Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que vigore em
todos os países de Língua oficial portuguesa, não só nos Países Africanos de
Língua Oficial Portuguesa (PALOP), mas em todos os países que constituem a
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa CPLP). Por outro lado, trata-se
também de acordar uma escrita mais simples, uma norma ortográfica simplificada,
mais próxima da fonética e, portanto, mais próxima da pronúncia e do português
falado.
Escreve um site brasileiro de
informação escolar (www.info.escola.com)
que o acordo ortográfico “visa simplificar as regras ortográficas da Língua
Portuguesa e aumentar o prestígio social da língua no cenário internacional”. Posso
assumir que o povo brasileiro concorda com esta afirmação, mas desconfio que o
povo português não corrobora totalmente esta ideia. Até porque foi à nossa
grafia que foram retiradas as maiores singularidades, tendo havido maior
alteração nas palavras com grafia de Portugal do que com grafia do Brasil. O
novo VOP – Vocabulário Ortográfico do Português tem maior influência do país do
Samba do que do país do Fado.
Enquanto escrevi este texto, foi
recorrente a utilização do corretor ortográfico do Microsoft office – Word. Por
aqui ainda se vive em desacordo com o acordo. Resistência à mudança dirão alguns,
manutenção da tradição dirão outros, gosto pelo genuíno, direi eu.
Para que saibam, no local onde
nasci ainda se tratam os mais velhos por “vossemecê”, que remete para o “vossa
mercê” de tempos idos. Mas o mais curioso é que também os Brasileiros ainda
utilizam um vocábulo similar, que pelo acordo ortográfico também terá de
desaparecer, o “vosmecê”. Ficará apenas o “você” como palavra do novo VOP.
Na minha opinião pessoal, são
estas as diferenças que trazem riqueza a uma língua, e no caso da língua
portuguesa, património nacional de alguns países espalhados por todos os continentes,
mais ainda. Como refere o Instituto Camões, a língua portuguesa é uma língua de
cultura, portadora de longa história, testemunha de fortes tradições, e também instrumento
de afirmação mundial de diversas sociedades, que não se esgota na descrição do
seu sistema linguístico.
É no domínio da história, da
cultura, e em última instância, da política, com as suas variações próprias dos
tempos, das gerações, das vivências, que se erguem os pilares que consubstanciam
a língua portuguesa, que efetivamente lhe oferecem a essência e a colocam num
nível mais elevado do que o “mero estatuto de repositório de variantes”, como
refere o mesmo Instituto.´
Como, sabiamente, escreveu
Fernando Pessoa “Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém,
num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa”
(Bernardo Soares, Livro do Desassossego). Refere a Casa Fernando Pessoa, que
este sabia que cada língua tem a sua cor, a sua luz e a sua música própria, com
ritmo diferenciado e único e que a arte da escrita consiste em levar para lá
dos limites convencionais os dons expressivos de cada língua. Saberemos, nós, também isto?
A condição sine qua non desta reflexão assenta na constatação, apresentada pelo
Instituto de Camões e subscrita por mim própria, de que o Português é a língua
que os portugueses, os brasileiros, muitos africanos e alguns asiáticos
aprendem no berço, reconhecem como património nacional e utilizam como
ferramenta de comunicação, quer dentro da sua comunidade, quer no
relacionamento com as outras comunidades Luso falantes. É uma língua viva do
mundo, com mais de 230 milhões de falantes, a quinta mais falada no mundo
inteiro, a terceira mais falada no mundo ocidental, língua oficial da
Comunidade Europeia (CE), entre outras, que apresentava e usava mais que uma
ortografia oficial, uma no Brasil e outra em Portugal. Esse fator
diferenciador, é na minha opinião enriquecedor e não fraturante de um
património valiosíssimo que nos identifica e nos faz pertença de um povo, de
uma nação, de uma crença.
Apesar de não acreditar que o acordo
ortográfico veio “matar” a Língua portuguesa, pois considero essa terminologia
demasiado radical e descontextualizada, defendo que nos meandros destas
convenções se perde algum brilho, alguma identidade, alguma essência. Não
obstante, deixo aqui uma citação que fui encontrando em alguns blogues que
defendiam acerrimamente a não adesão de Portugal ao acordo ortográfico e que
servirá como ponto de reflexão:
"O maior dos crimes é matar
a língua de uma Nação com tudo aquilo que ela encerra de esperança e de génio”.
Charles Nodier (1780 - 1844)

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